Belas questões da FCC

Nessa postagem, analiso e comento duas belíssimas questões da Fundação Carlos Chagas - FCC.

Olá, amigos…

             E a nossa preparação como está?? Continuem!! Não desistam!! 

            Hoje gostaria de compartilhar com vocês duas belíssimas questões elaboradas pela Fundação Carlos Chagas para o concurso. Elas nos trazem um conhecimento maravilhoso sobre a “concordância verbal”. São questões raras, pouco vistas em provas. A primeira, retirei-a da prova de Técnico Legislativo, atribuição “assistente legislativo”. Observe:

10. Para uns, o objeto final, a mira de todo esforço, o ponto de chegada, assume relevância tão capital... (1º parágrafo). O verbo está flexionado no singular porque

(A) houve um deslize em relação ao que dispõe a norma culta.

(B) pode ocorrer concordância com o predicativo do sujeito, que está no singular.

(C) se excluíram os dois termos anteriores, que apresentam sentido de oposição entre si.

(D) os termos que constituem o sujeito formam uma série de expressões de sentido equivalente.

(E) um só termo pode sintetizar toda a frase, embora não esteja explícito no contexto.

 

Comentários:

Belíssima questão! Há muito não encontrava uma dessas. Aqui a banca trabalha os aspectos semânticos do sujeito. Um candidato bem preparado sabe que, quando os núcleos do sujeito são sinônimos ou quase sinônimos, o verbo da concordância pode tanto ir para o plural – concordando com os núcleos do sujeito composto – quanto ficar no singular – concordando com o todo semântico representado pelo sujeito. A resposta – muito evidente por sinal – encontra-se na letra D. Era importante perceber, portanto, que os termos “o objeto final”, “a mira de todo esforço”, “o ponto de chegada” representavam o mesmo sentido – uma meta, um alvo. Parafraseando as palavras do ilustre mestre M. Said Ali – um dos mais influentes estudiosos da Língua Portuguesa de todos os tempos – “sendo o sujeito constituído por duas ou mais expressões no singular, e servindo as demais expressões para completar, esclarecer ou reforçar o sentido da primeira, ou mesmo quando duas ou mais expressões designarem um único ser irá o verbo para o singular ou para o plural”. Vários exemplos poderíamos oferecer dessa regra. Veja alguns:

  • “O ódio e a guerra que declaramos aos outros nos gasta e consome (ou gastam e consomem) a nós mesmos”. (Marquês de Marica).

  • “A largueza e relaxação da vida escurece (ou escurecem) a consciência e cega (ou cegam) a alma.” (Pe. Antônio Vieira, Sermões).

  • Alguns pensam que coragem e valentia faz (ou fazem) deles donos do mundo.

  • O sofrimento, a dor, a angústia envelhece (ou envelhecem) os pais cujos filhos abusam das drogas.

  • Fama, glória, reconhecimento pode (ou podem) entorpecer os fracos de espírito.

           Saliente-se, porém, que o singular está autorizado pela representação unitiva do sujeito. Os núcleos desse tipo de sujeito composto representam muito mais uma repetição enfática (reforço semântico) do que núcleos independentes.

          A outra questão – igualmente rara – foi a de número 17, também da prova de Técnico Legislativo, atribuição “assistente legislativo”. Transcrevo-a abaixo:

17. A forma verbal de singular que também poderia ter sido empregada corretamente no plural está grifada na frase

(A) ... a ordem social era imutável...

(B) ... e a Igreja, junto com o poder absolutista, tinha o monopólio da informação.

(C) ... num processo que também gerou a onda de inovação ...

(D) ... quando isso vai de encontro aos interesses da comunidade...

(E) ... em que ela está inserida.

 

            Aqui, mais uma vez, a banca exige o conhecimento sobre a concordância do verbo com o seu sujeito. Mas não só isso: procura saber se o candidato conhece as minúcias da harmonização “sujeito – verbo”. Afinal de contas, a regra geral manda, ordena que se leve para o plural o verbo de um sujeito composto. Entretanto, várias são as possibilidades de se deixar um verbo no singular a despeito de se estar diante de um sujeito declaradamente composto e de uma oração na ordem direta (sujeito + verbo + complemento). Veja algumas dessas possibilidades:

  1. Nem o Câmara nem o Senado conseguirá (ou conseguirão) impedir aquela medida provisória. (Regra: Sujeitos unidos pela conjunção aditiva “nem” levam o verbo para o singular ou para o plural.)

  1. Percebemos que uma e outra propaganda estimularia (ou estimulariam) mais o consumo do produto. (Regra: Sujeito representado pela expressão “um e outro” leva o verbo para o singular ou para o plural.)

  1. Nem um nem outro caminho o levaria (ou levariam) para bons locais.

  1. Um mês, um ano, um século não bastava (ou bastavam) para esquecê-la. (Regra: Quando os núcleos do sujeito formam uma gradação – seqüência lógica de idéias –, o verbo poderá ficar no singular ou no plural.)

  1. O pesquisador com todos os seus auxiliares imediatos obteve (ou obtiveram) bons resultados na pesquisa sobre o sequenciamento genético da cana-de-açúcar. (Regra: Núcleos dos sujeitos unidos pelo conector “com” admitem o verbo no singular ou no plural.)

             Decerto a questão explorava mais um desses casos em que se tem um sujeito composto, mas o verbo tanto pode ir para o singular quanto para o plural. A resposta se encontra na letra B - ... “e a Igreja, junto com o poder absolutista, tinha o monopólio da informação.” Alguns alunos questionaram a existência das vírgulas. Alertei-os sobre a possibilidade de, mesmo com a vírgula, o verbo ir para o plural. Da gramática do ilustríssimo professor Evanildo Bechara, extraímos os seguintes exemplos:

“Estas explicações não evitaram que o desembargador, com os seus velhos amigos, prognosticassem o derrancamento do morgado da Agra...”.

“Nesta conjuntura, um deputado dileto da rainha, por nome Antônio José da Silva Peixoto, coadjuvado pelo foliculário José Acúrsio das Neves, levantaram-se e prorromperam em ‘viva’...”

            O gramático e filólogo Artur de Almeida Tôrres cita o seguinte exemplo:

“O povo apinhoava-se à porta de Eliot, quando ele, com Rutier, a passo rápido, ganharam a Cordoria.” (Bernardes, Caveira da Mártir).

            Também aqui poderíamos usar o exemplo de Machado de Assis, citado pelos professores Celso Cunha e Luís Cyntra:

“O pontífice, com todos os membros do consistório, mal puderam sair suplentes.”

            Percebam que as vírgulas não impediram a flexão do verbo no plural. Logo, a alternativa da letra B poderia, sem problema nenhum, trazer o verbo no plural.

            Indubitavelmente, repita-se: duas belas questões. Fáceis, é certo, mas bem elaboradas, as quais exigiam um conhecimento mais largo por parte do candidato. Em outras palavras: não dá pra simplificar o conhecimento da concordância verbal – é preciso, sim, estudar e entender todos os casos.

            Até a próxima! Um abraço!

            Prof. Rodrigo Bezerra

            Soli Deo Gloria.