Cuidado com o verbo HAVER

Análise de uma questão em que se emprega o conhecimento sobre o verbo HAVER.

 

Cuidado com o verbo HAVER

Análise de questão: TCE/MG – Técnico de Controle Externo I (Questão de número 05)

Se existe um verbo na Língua Portuguesa causador de problemas para muitos candidatos é o HAVER. O interessante é que, quando se fala no verbo HAVER, de imediato vem à cabeça a sua impessoalidade (o verbo HAVER fica, por convenção, na 3ª pessoa do singular) ao ser empregado no sentido de EXISTIR, ACONTECER, OCORRER, REALIZAR-SE ou no sentido de TEMPO TRANSCORRIDO. 

Em minhas aulas, no entanto, tenho alertado os alunos sobre as outras regências desse verbo. Brinco com eles quando digo que saber empregar o verbo HAVER no sentido dos verbos EXISTIR, ACONTECER, OCORRER, REALIZAR-SE ou no sentido de TEMPO TRANSCORRIDO não é mais novidade, não tem mais graça; pelo contrário, é uma obrigação – básica, diga-se de passagem – de todo e qualquer estudante e operador  do idioma nacional.

Lamentavelmente, “correm alguns boatos” por aí: primeiro o de que o verbo HAVER só é empregado no sentido de EXISTIR. O segundo, de que, todas as vezes que o verbo HAVER aparecer flexionado, ele estará errado.

“Vixe!!! Pelo amor de Deus!! Arre égua!!

A Fundação Carlos Chagas provou, no Concurso para o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, na quinta questão da prova para o cargo de Técnico de Controle Externo, que o verbo HAVER não só é empregado como impessoal (no sentido de EXISTIR e no sentido de TEMPO TRANSCORRIDO).

Antes de entrarmos na questão, porém, preferi discorrer um pouco sobre o emprego do verbo HAVER. Acompanhe detidamente:

Observe abaixo os exemplos do uso “comum” do verbo HAVER:

  1. Haverá novos encontros dos especialistas em Direito de Família. ?? (Ocorrerão novos encontros...)

  2. Houve muitos aventureiros naquela cidade. ?? (Existiram muitos aventureiros...)

  3. Quando há tragédias, muitos setores da sociedade se mobilizam. ?? (Quando acontecem tragédias...)

  4. Tem havido muitas invasões a prédios públicos abandonados nos últimos tempos. (Locução verbal ?? perceba que o verbo auxiliar também se torna impessoal).

  5. Havia dois anos que João não me dirigia a palavra. ?? (Tempo transcorrido)


Como se sabe, nas construções das letras “a, b, c, d”, o verbo HAVER não possui sujeito — os termos “novos encontros”, “muitos aventureiros”, “tragédias” e “muitas invasões” são objetos diretos. Na letra “e”, o verbo HAVER foi empregado no sentido de tempo transcorrido – também não há sujeito para ele.

Isso também acontece quando o verbo HAVER for empregado como o verbo principal de uma locução verbal. Nesse caso, a impessoalidade se transmitirá para o seu auxiliar, que, obrigatoriamente, ficará na 3ª pessoa do singular. Veja abaixo:

 

  1. Não pode haver honestos em terra de corruptos.

  2. Vai haver muitos inscritos para o Congresso de Direito de Família.

  3. Por ser noite, não deveria haver tantas crianças presentes no evento.

No entanto, quase não se faz menção aos outros empregos do verbo HAVER. Vejamos alguns deles:

I) O verbo HAVER como auxiliar de verbos pessoais:

  1. Haviam sido negadas oportunidades de emprego àqueles trabalhadores.

  2. Hão de acontecer incidentes se não forem adotadas as medidas de segurança cabíveis.

  3. Haviam de ali residir mais de quinze pessoas.

?? Observe que nesse caso, o verbo HAVER, como auxiliar, sofrerá todas as flexões inerentes ao verbo principal.

II) O verbo HAVER empregado no sentido de OBTER, CONSEGUIR. É um verbo transitivo direito e indireto.

  1. Os rapazes houveram da direção a autorização para o uso da quadra de esportes. (Leia-se: Os rapazes obtiveram / conseguiram da direção a autorização..)

  2. De quem houveram esses advogados aquelas terras? (Leia-se: Os advogados obtiveram / conseguiram aquelas terras de quem?)

?? Observe que o verbo HAVER, no caso acima e nos demais casos abaixo, flexiona-se normalmente para concordar com o seu sujeito.

III) O verbo HAVER empregado no sentido de “CONSIDERAR, JULGAR”. É um verbo transitivo direto.

  1. A justiça não houve por verdadeira a confissão do réu. (Leia-se: A justiça não considerou...)

  2. Os professores haviam-no como o melhor da turma. (Leia-se: Os professores julgavam-no...)

IV) O verbo HAVER-SE (pronominal) no sentido de “PORTAR-SE, PROCEDER, COMPORTAR-SE, SAIR-SE BEM OU MAL”. É um verbo intransitivo.

  1. Os candidatos não se houveram bem na prova. (Leia-se: Os candidatos não se saíram bem...)

  2. A filha do prefeito sempre se havia de modo inconveniente nas festas de que participava. (Leia-se: A filha do prefeito sempre se comportava de modo inconveniente...)

V) O verbo HAVER no sentido de “TER, POSSUIR”. É um verbo transitivo direto.

  1. Hajamos paz e o mundo certamente melhorará. (Leia-se: Tenhamos paz e...)

  2. Se houvesses mais coragem, agirias de outra forma. (Leia-se: Se tivesses mais coragem...)

VI) O verbo HAVER-SE (Pronominal) no sentido de “AJUSTAR CONTAS, ENTENDER-SE, ARRANJAR-SE”. Apresenta transitividade indireta – exige a preposição “com”:

  1. Parece que ele já se houve com todos os credores. (Leia-se: Parece que ele já ajustou contas com...)

  2. Será complicado se tu não te houveres com aqueles que magoaste. (Leia-se: ...se tu não te entenderes...)

VII) O verbo HAVER-SE (Pronominal) no sentido de “DEPARAR-SE, LIDAR, TRATAR”. Também é um verbo transitivo indireto que exige a preposição “com”.

  1. Sempre que chegava ao escritório, havia-se com a secretária do presidente. (Leia-se: ... lidava com...)

  2. Quando estagiava, havia-se com crianças excepcionais. (Leia-se: Quando estagiava, deparava-se com...)

?? Saliente-se que os itens de II a VII se prestam a demonstrar o uso formal — e pouco usual — do verbo HAVER. Todavia não podemos deles nos esquecer. Os concursos já descobriram que os candidatos conhecem “de cor e salteado” o emprego do verbo HAVER em sua forma impessoal (3ª pessoa do singular). 

Vamos agora à questão da FCC (TCE/MG – Cargo C03 – Tipo 001):

5. Que adulto nunca se deparou com uma criança fuzilando perguntas?

Não haverá necessidade de qualquer alteração formal na frase acima caso se substituam os elementos sublinhados, respectivamente, por

(A) enfrentou - disparando

(B) se confrontou - insistindo

(C) se pôs diante - reiterando

(D) confrontou - metralhando

(E) se houve - descarregando

Gabarito oficial (preliminar): Letra “E”

Na questão, a FCC requeria do candidato o conhecimento sobre a regência de alguns verbos, dentre eles, o verbo HAVER. A banca solicitava a substituição dos dois verbos sem alterações na estrutura formal da oração. Ora, o primeiro verbo exige a preposição “com”. Já o segundo, é um transitivo direto, logo pede um complemento sem preposição. Para facilitar, analisaremos item por item:

a) enfrentou – disparando (Resposta impossível ?? O verbo “enfrentar” é transitivo direto. Não aceita a preposição “com”.)

b) se confrontou – insistindo (Resposta impossível ?? O primeiro verbo está correto, mas o segundo é transitivo indireto, requer as preposições “em” e “com”.)

c) se pôs diante – reiterando (Resposta impossível ?? A regência do nome “diante” exige a preposição “de” para significar “estar na frente de”.)

A partir de agora, o “bicho pega”, pois, se o candidato não conhecesse os outros empregos do verbo HAVER, corria um sério risco de errar, marcando a letra “D”.

d) confrontou – metralhando (Resposta impossível ?? O verbo “confrontar” é transitivo direto no sentido de “estar defronte, ser fronteiro a”. A regência “confrontar com” significa “fazer fronteira com, limitar-se, confinar”.) 

e) se houve – descarregando (Eis a nossa resposta ?? O verbo “HAVER-SE COM” no sentido de “deparar-se, lidar, estar de frente a”. O verbo “descarregar” é transitivo direto.)

“Tá vendo!!!” Vamos estudar!!! Questão “escorregadia”!! 

 

Eita que eu escrevi demais. Mas não havia outra forma. 

 

Dúvidas!!??? Escrevam-me!!!!

 

Grande abraço para todos.

 

Até a próxima. 

 

Soli Deo Gloria.